sábado, 7 de junho de 2008

DOAÇÃO ESBARRA EM OBSTÁCULOS

Subnotificação de morte encefálica, decréscimo de doações, elevados custos de tratamento, carências estruturais, ausência de centros para certos tipos de transplante. A lista de deficiências do sistema de transplantes em Pernambuco avança - assim como a fila de pessoas que depositam esperança de sobrevivência em um novo coração, rim, fígado ou outro órgão. Dando continuidade à série de reportagem iniciada ontem, e que se encerra amanhã, a Folha aborda perdas possivelmente reversíveis a partir de planos e tentativas de ampliação de atendimento no Estado. Poderia. Tempo passado do verbo poder que, entre as múltiplas definições do dicionário, significa chance. Debruçando-se em dados da Central de Transplantes de Pernambuco (CT-PE), dá para notar que, a partir de um plano de metas e ações, a vida de muitas pessoas poderia ser salva. Quase um terço das causas das doações de órgãos e tecidos não serem concretizadas está relacionada à ausência do diagnóstico de morte encefálica do doador. Uma média de 23% das famílias se recusa a autorizar o médico a retirar os órgãos do doador, por motivos como desconhecer a vontade do falecido perante a questão.
Casos de contra-indicação médica para a retirada do órgão resultam em 8% do não aproveitamento. Algumas das razões para o descarte são as constatações de infecção ativa e sorologia positiva para doenças como Aids e hepatite. Pouco mais de 20% da perda está ligada a motivos diversos, como ausência ou atraso da família para autorizar o procedimento, bem como vencer a barreira da burocracia. O passar do tempo explica também a parada cardiorrespiratória dos pacientes com morte encefálica comprovada. Quando a vítima está nesse estágio de óbito cerebral, o estado é irreversível, mas o coração continua batendo e a respiração é mantida por aparelhos. Por falta de disponibilidade de sala cirúrgica - já que os vivos têm prioridade e, caso necessitem do leito de emergência, a operação de retirada é interrompida -, perde-se 14% dos doadores.
Outro obstáculo diz respeito aos custos. Para adiar a parada cardíaca e conservar o funcionamento dos órgãos, o coração deve ser mantido por medicamentos, o pulmão atua graças aos aparelhos e o corpo é alimentado por via endovenosa (por meio das veias). No mundo, a média dos registros de óbito cerebral nos pacientes de unidades de alta complexidade chega a 14%, enquanto em Pernambuco a estimativa é de apenas 3%. Embora os gastos sejam reembolsados pelo Ministério da Saúde e os centros transplantadores do Estado estejam inscritos no Sistema Único de Saúde (SUS), a realidade ainda é desfavorável. “Faz mais de dez anos que a tabela de preços dos procedimentos de transplante não é reajustada”, assegurou a coordenadora da CT-PE, Cristina Menezes.
Realizado o diagnóstico de morte encefálica, surge uma nova etapa. Exames são feitos para avaliar a qualidade dos órgãos e tecidos e detectar possíveis enfermidades. Após a bateria de testes, verifica-se a lista de espera da fila única de transplantes. Os critérios de seleção do candidato podem ser de tempo de aguardo, riscos e compatibilidade. A conservação é outro passo. O tempo de sobrevida é de quatro a seis horas para coração e pulmão, até 48 horas para rim, de 12 a 24 horas para fígado e pâncreas, sete dias para córneas e até cinco anos para osso, pele e válvula cardíaca. Estimativas extra-oficiais, no entanto, apontam que 20% do produto final é perdido, por falhas de manutenção.
Matéria Veiculada na Folha de Pernambuco (19/05/2008)
RODOLFO BOURBON

Nenhum comentário: